Razão Pura: anseios e devaneios
Era noite. O súbito toque do relógio anunciava que o atraso se fazia necessário, o que tornava mais doce a expectativa acumulada. Sentado na calçada, admirava o lento passar do tempo, com todas suas medidas e medições. Oito e meia? não, não... já passavam das nove horas quando ela apareceu.
Súbito, o sorriso embrigava-o levando a trafegar por linhas curvilíneas bem traçadas. Parecia despontar a beira de um precipício, causando a leve sensação de liberdade e temor sugestionadas pela adrenalina bombardeada em cada vaso, veia e artéria de seu corpo. As mãos se encontraram... o berço esplêndido se fez naquele abraço, a tão esperado.
O "oi" tímido, sussurrado ao pé do ouvido, entrelaçava todas as falhas temporais criadas pelo acaso do destino. Duas vidas que se resumiram ali, no instante em que os olhos se puseram a postos observando cada gesto, sentido, cheiro e desejo. Queriam mais. Mesmo não se conhecendo. Queriam tudo.
Rapidamente os lábios firmes começaram a percorrer primeiro o pescoço, depois ombro e por fim orelha. Procuravam uma brecha, onde pudessem explorar a efemeridade dos sexos tentando sugar aquilo que lhes davam mais prazer. Ao redor, silêncio. Somente o som estalado dos beijos podia ser ouvidos naquele dia estrelado.
Parecia não mais acabar. Tentavam provar que o ser humano é movido justamente por ações egoístas e desejo de posse. Uma mistura de bobagens que leiam-se nos livros fadados a não cumprirem sua missão. Dialogar. Enquanto os corpos se fundiam em chamas nostálgicas, ele o mais tímido, sentia cheiro de orvalho, que por ventura anunciava o amanhecer do dia.
Reviravam-se, abraçavam-se... desejava de novo que não tivesse mais fim ou para onde ir. Com a luz do dia, a imagem daquela, perfeita, se desfazia aos poucos da mesma forma que se destroem castelos de areia em dias chuvosos. Acordou com o barulho da janela batendo por causa do vento. Suspirou e percebeu que havia caído no sono logo após vários dias acordado.
Mesmo com seus oitenta anos de vida, nunca havia sentido coisa tão real e lúcida como esse sonho. Da mesma forma que os relógios ingleses, marcou-lhe exatamente o peso do tempo e da idade que lhe foi dada. Então debrussado sobre a velha pilha de livros, pode viver, mesmo que num abstrato momento a possibilidade de tocar o infinito, que por ironia do destino, se chamava Virgindade.
Morria, aos 80 anos, Immanuel Kant.
Kaliningrado, 1804.
*
Súbito, o sorriso embrigava-o levando a trafegar por linhas curvilíneas bem traçadas. Parecia despontar a beira de um precipício, causando a leve sensação de liberdade e temor sugestionadas pela adrenalina bombardeada em cada vaso, veia e artéria de seu corpo. As mãos se encontraram... o berço esplêndido se fez naquele abraço, a tão esperado.
O "oi" tímido, sussurrado ao pé do ouvido, entrelaçava todas as falhas temporais criadas pelo acaso do destino. Duas vidas que se resumiram ali, no instante em que os olhos se puseram a postos observando cada gesto, sentido, cheiro e desejo. Queriam mais. Mesmo não se conhecendo. Queriam tudo.
Rapidamente os lábios firmes começaram a percorrer primeiro o pescoço, depois ombro e por fim orelha. Procuravam uma brecha, onde pudessem explorar a efemeridade dos sexos tentando sugar aquilo que lhes davam mais prazer. Ao redor, silêncio. Somente o som estalado dos beijos podia ser ouvidos naquele dia estrelado.
Parecia não mais acabar. Tentavam provar que o ser humano é movido justamente por ações egoístas e desejo de posse. Uma mistura de bobagens que leiam-se nos livros fadados a não cumprirem sua missão. Dialogar. Enquanto os corpos se fundiam em chamas nostálgicas, ele o mais tímido, sentia cheiro de orvalho, que por ventura anunciava o amanhecer do dia.
Reviravam-se, abraçavam-se... desejava de novo que não tivesse mais fim ou para onde ir. Com a luz do dia, a imagem daquela, perfeita, se desfazia aos poucos da mesma forma que se destroem castelos de areia em dias chuvosos. Acordou com o barulho da janela batendo por causa do vento. Suspirou e percebeu que havia caído no sono logo após vários dias acordado.
Mesmo com seus oitenta anos de vida, nunca havia sentido coisa tão real e lúcida como esse sonho. Da mesma forma que os relógios ingleses, marcou-lhe exatamente o peso do tempo e da idade que lhe foi dada. Então debrussado sobre a velha pilha de livros, pode viver, mesmo que num abstrato momento a possibilidade de tocar o infinito, que por ironia do destino, se chamava Virgindade.
Morria, aos 80 anos, Immanuel Kant.
Kaliningrado, 1804.
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1 Comments:
'O "oi" tímido, sussurrado ao pé do ouvido, entrelaçava todas as falhas temporais criadas pelo acaso do destino. Duas vidas que se resumiram ali, no instante em que os olhos se puseram a postos observando cada gesto, sentido, cheiro e desejo. Queriam mais. Mesmo não se conhecendo. Queriam tudo.'
que lindo isso.. ;~~
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